FADO

Inspirado por uma reinterpretação do conceito de tasca moderna, o Povo é também um espaço de programação e de produção de conteúdos culturais. Assim, as Residências Artísticas do Povo nascem com o objectivo de descobrir novas vozes do fado e com elas desenvolver um trabalho que possa ser enriquecedor e potenciador de uma carreira profissional.

Prevendo quatro edições anuais, cada residência tem uma duração de doze semanas. Durante este período, o Povo convida um jovem intérprete a apresentar o seu trabalho e a desenvolver um repertório artístico original. Durante o período de residência, os jovens fadistas fazem um trabalho exploratório, que promove a revelação de novos letristas, e que cruza e dialoga com outros instrumentos e influências musicais. Este trabalho fica, posteriormente, registado na gravação e edição de um “Disco do Povo”.

Assim, mais do que um registo de fado, a colecção “Discos do Povo” é um testemunho de um projecto único de programação cultural e uma “carta de apresentação” para estes jovens talentos, potenciando a médio prazo um importante acervo de um renovado repertório fadista.

[ENG]

Inspired by a reinterpretation of the modern concept of Portuguese tasca, Povo is also a dynamic center of cultural production. The goal of Povo Artist Residencies is to discover and support young talented fado singers and to further develop a creative work that can enrich and enhance their professional development and careers.

Foreseeing eight annual editions, each residency has a six week length. During this period, a young emerging fado singer is invited to develop an exploratory work, that promotes contemporary fado songwriters, encouraging at the same time a creative dialogue with different instruments and musical influences. After the residency period, the artists continue their work at a recording studio, leading to an album release to be integrated on the compilation “Discos do Povo”.

Besides being a testimony of a unique cultural project and a “presentation letter” for these young talents, this compilation is a foretaste of an important contemporary fado repertoire collection.

Artista em Residência / Artistic Residency
Fado e o Silêncio / Fado and the Silence
Fadistas Convidados / Guests

O meu nome é Inês Santos Mariano, tenho 31 anos e nasci em Lisboa.

A verdade é que não me lembro de um dia de escola em que a música não estivesse presente: estudei desde cedo na Academia de Música de Santa Cecília, onde fiz classe de Viola de Arco e Canto.

Foi aqui que fui desenvolvendo as minhas competências artísticas – desde a música à dança -, onde fiz parte de diversos projetos e onde tive a oportunidade de me desenvolver, pisando vários palcos e salas de espetáculo. Mais tarde, decidi fazer uma pausa na música clássica e explorar outras áreas. Foi então que, após ingressar na faculdade, me juntei à Tuna Académica do ISCTE-IUL (TAISCTE). Foi aí que tive o primeiro contacto com o Fado e Marchas Populares na vertente de intérprete – porque até então, e apesar de o Fado fazer parte da banda sonora das nossas vidas, achava que não era Fadista, que a minha voz não era feita para o Fado e não tinha coragem de cantar…

Em Janeiro de 2020, por influência de uma grande amiga, fui assistir a uma sessão na Escola de Fado do Grupo Desportivo da Mouraria, e foi aí que comecei a trabalhar o meu reportório, em que fui deixando cair as minhas inseguranças e em que fui traçando o meu caminho e a minha forma de cantar e interpretar o Fado – que é, afinal, de todos e para todos nós.

Desde esse momento, tenho cantado em encontros de colectividades, em algumas casas de fado e em outros eventos. Para além disso, fui-me desafiando a sair da minha zona de conforto e concorri a dois concursos – um de Fado e outro de Música Portuguesa na RTP – de onde trago boas memórias e onde conheci pessoas que proporcionaram outras oportunidades.

Esta residência artística vai contribuir de forma marcante para o meu trabalho de desenvolvimento enquanto Fadista e intérprete, mas também enquanto pessoa.

O que alguém põe no Fado quando o canta, é de uma carga muito especial – vai muito para além de um poema cantado.

[ENG]

My name is Inês Santos Mariano, I am 31 years old, and I was born in Lisbon. The truth is that I don’t remember a school day without music: I studied early on at the Santa Cecília Music Academy, where I took classes in Violin and Singing. It was here that I developed my artistic skills – from music to dance – participating in various projects and having the opportunity to grow, stepping onto various stages and performance halls.

Later on, I decided to take a break from classical music and explore other areas. After joining college, I became a part of the Academic Tuna of ISCTE-IUL (TAISCTE). That’s where I had my first contact with Fado and Marchas Populares as a performer – because until then, despite Fado being part of the soundtrack of our lives, I thought I wasn’t a Fado singer, that my voice wasn’t suited for Fado, and I lacked the courage to sing…

In January 2020, influenced by a close friend, I attended a session at the Fado School of Grupo Desportivo da Mouraria, and that’s when I started working on my repertoire. I began shedding my insecurities, tracing my path, and developing my way of singing and interpreting Fado – which, after all, belongs to all of us and is for all of us.

Since that moment, I have sung at community gatherings, some Fado houses, and other events. Additionally, I challenged myself to step out of my comfort zone and participated in two competitions – one for Fado and another for Portuguese Music on RTP – where I carry good memories and met people who provided other opportunities.

This artistic residency will significantly contribute to my development as a Fado singer and performer, but also as a person.

What someone puts into Fado when singing it has a very special weight – it goes far beyond a sung poem.

É preciso que seja dito, sem medo e logo no inicio: o fado é um mistério, uma espécie de ritual onde pouco a pouco os iniciados abandonam os sentidos. A sua origem histórica ainda permanece em aberto: de onde veio, quem o trouxe, como nasceu.

Provavelmente a resposta nunca será descoberta e a pergunta continuará a suscitar discussões e paixões mais ou menos académicas. Mas a verdade é que a história do fado – desse mistério – acontece sempre que ele é cantado. E muitas vezes – tantas vezes – é a nossa história.

Como magia inexplicável que é – alguém sabe definir o que é «alma», alguém já a conseguiu estudar? – é natural que o fado viva de paradoxos e contradições, sobretudo por ser demasiado humano. Como a origem do silêncio obrigatório quando se canta o fado: aqui o silêncio vem das palavras.

O fado vive do peso das palavras, das cargas poéticas que os fadistas equilibram e partilham sobre melodias relativamente simples, na sua maior parte. A respiração, a pausa, o ênfase que cada cantador ou cantadeira oferece a versos mil vezes cantados tem de coincidir com a alma, encaixar-se nela na perfeição. E para isso é importante o que não é dito, o que fica por dizer – o silêncio, enfim.

Este silêncio tem de ser recebido com silêncio para que a liturgia dos sentimentos aconteça. Também por outros factores, como o respeito por quem toca e canta. Mas sobretudo por quem ouve – para que cada suspensão, cada frase, cada volta nos entre pelo coração adentro e nos deixe tudo desarrumado.

Quando alguém diz «silêncio, que se vai cantar o fado!», não é uma ordem: é o mais belo dos convites.

Nuno Miguel Guedes, jornalista e letrista de fado.

[ENG]

It must be said. Now, from the beginning, without any fears: fado is a mystery, a kind of ritual where, little by little, beginners learn to leave their senses. Its historical origin still remains unsolved: where did it came from, who brought it, how was it born? Probably the answer will never be found, serving only to ignite passionate and more or less academic debates. But the truth is that the history of fado – of that mystery – happens every time fado is sung. And many times – so very often – fado’s history is our personal story.

Because of this unexplainable magic – does anyone know how to define «soul», did anybody been able to study it? – it’s only natural that fado should live of paradox and contradiction, mainly because it is only too human. Just like the origin of the mandatory silence whenever fado is sung: in this case, silence comes from words.
Fado lives and thrives on the weight of the word; it feeds on that poetical charge that fadistas (fado singers) balance and share over melodies often very simple. Breath, pause, the emphasis that every fadista offers to verses sung one thousand times before has to match perfectly with the soul. And for that to happen it is very important what is left to be said: the unspoken word that only can be felt. In short, silence.

This silence must always be welcomed with silence, so that this liturgy of feeling can happen in its full splendor. Of course, there is also the respect for the musicians and the singer. But this respect is mostly for those who are hearing, so they can experience every pause, every phrase, every estilar (particular and individual style of singing that is the trade mark of the fadista)and let it break into their hearts and leave a mess.

When somebody says «Silence, please. Fado is about to be sung.» (“Silêncio que se vai cantar o fado!”) don’t take it as an order. It is, in fact, the most beautiful of all invitations.

Nuno Miguel Guedes, journalist, fado lyricist.

Aos finais de semana o programa de residências artísticas faz uma pequena pausa. Nestes dias recebemos no Povo alguns dos melhores fadistas que por aqui já passaram.

[ENG]

At the weekends the program of artistic residencies takes a short break. In these days some of he best fado singers who have benefited from it return to Povo.